Texto forte e poético que
questiona a nossa relação com o mundo virtual nas facetas profundo/superficial,
foco/dispersão, real/fantasia, e por que não nos referirmos também à díade
viver autêntico/viver inautêntico?! (reflexões de uma heideggeriana, rs!). Escrito
pela atriz Denise Fraga e publicado no Caderno Equilíbrio do jornal Folha de S.
Paulo, dia 05/02/2013.
Mergulhar é preciso
Uma coisa pra se fazer na
vida antes de morrer: conhecer o fundo do mar.
Estive uma vez em
Fernando de Noronha e foi uma experiência transformadora.
Entendi
completamente o sentido da palavra mergulhar.
Não sei se pelo estado de
alerta que você fica à espera das surpresas submarinas, pela incrível sensação
de flutuar no abismo ou simplesmente pelo único som que lhe resta ser o
esquecido compasso da sua respiração, você acaba entrando num estado de
concentração único e inesquecível. Um verdadeiro mergulho.
Pouco tempo depois dessa
experiência, li no jornal sobre o casal que sobreviveu ao tsunami por estar
justamente mergulhando. Pensar que tudo aquilo lhes passou por cima e eles
continuaram a ouvir o som de suas respirações. Se estivessem navegando, teriam
sido trucidados. Estar mergulhando, o que parecia mais perigoso, os salvou.
Gosto desta história.
Acho bonita e irônica. Salvar-se no profundo. Salvar-se por mergulhar. Além de
inacreditáveis tartarugas gigantes, o mar também nos oferece muitas metáforas.
Fernando Pessoa e Dorival Caymmi se fartaram nelas. Navegar é preciso, viver
não é preciso.
Passando de novo os olhos
pelos versos do poeta, não consigo deixar de pensar em outro mar. Quanto de nós
tenho deixado de viver pra navegar? Nosso mundo virtual também vive se
utilizando de imagens marinhas, mas o que diria um pescador de Caymmi se
soubesse que navegamos na rede?
Já acho curioso falarmos
navegar. A janela azul aberta ao mundo virtual parecia coisa de ficção
científica, uma tela que nos tragaria da cadeira para um mergulho em outros
mundos. Mergulhar pareceria ser o verbo perfeito e até justificaria o efeito de
ausência surda e muda que baixa sobre nós, seres de faces azuis, capturados.
Mas o verbo virtual é
navegar. Pensando bem, é justo. É algo que anda na superfície. Você quer um
site e lhe são oferecidos outros tantos. Janelas que abrem para janelas. A cada
clique, outra centena de possibilidades.
Tudo se espalha numa
ramificação eterna e quando você resolve mergulhar é inevitável a sensação de
perda do que poderia estar escondido no imenso mar oferecido à sua navegação.
Sinto que a rede nos força naturalmente à superfície em suas imensas
possibilidades.
Volto ao casal
mergulhador e penso nos meus mergulhos literários de três horas sem sentir o
tempo, na sala escura do cinema, nas peças de teatro e em quantas coisas que nos
salvam por serem estados de mergulho pleno. Mergulhar é preciso.
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